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Foto do escritorEmily Bandeira

Traduções domésticas

Atualizado: 3 de jun.


Desenho para a capa da maravilhosa Carol Nogueira :-)

Iji

Tô atrasada em meu próprio cronograma. Me prometendo escrever esse texto pro blog há mais de mês. Pensei comigo mesma que é importante registrar o processo de traduzir meu primeiro livro literário. Pensava isso enquanto o traduzia, pensava isso enquanto o revisava. Pensava mas não conseguia sentar a bunda para escrever. Até que semana passada entreguei a versão final do texto para a diagramação. E essa entrega foi crucial para que eu conscientizasse meu sentimento de posse ao redor do projeto. Coisa de doida.


"Hidrografia Doméstica" foi um desses livros que surgiu leve e delicioso no ano passado. Uma sugestão despretensiosa de um amigo, que deixou o livro na minha mão logo quando cheguei em Buenos Aires. Literalmente, na primeira hora em que eu cheguei lá, sentada no chão da cozinha, antes mesmo de explorar a rua, ele me entregou o livro. A história com sua protagonista, que me acompanhava por minhas pequenas aventuras porteñas, compôs muito bem o momento que eu vivia. Foi uma leitura apegada, dessas quando a gente quer acabar o livro (para saber o que acontece, oras) mas não quer se despedir das personagens (talvez seja por isso que voltei para traduzir? Não queria dar tchau de vez). Eu me despedi da leitura com certo custo. Não queria tanto assim deixar o livro azul-verde-piscina de lado. Mas deixei.


Só para voltar no final do ano passado, com um projeto e uma intenção sólidos na cabeça. Decidi que queria traduzir o livro. Uma vez com uma editora topando ser a casa da edição brasileira livro (alô, relatar_se!) eu só precisava arranjar as granas para pagar os direitos de tradução para o autor, dinheiro para as impressões e – com algum esforço – dinheiro para me pagar também.


Por que conto essa história desde aqui? Porque é importante fornecer os detalhes do contexto dessa tradução. Ela não é apenas um projeto que apareceu e eu aceitei, como a maioria das traduções que fiz até hoje. Foi um projeto em que eu fui atrás do autor, da editora brasileira, dos recursos para a publicação. Depois de muita pesquisa, persistência e alguma burocracia, conseguimos passar num edital de apoio à tradução do governo argentino (alô, Programa Sur!) <3

Dito isto, é mais fácil visualizar o tanto de energia e amor que coloquei nessa coisa.


A dizer: começar a traduzir este livro já foi um processo de grande alegria emocional. Um senso de satisfação interior, antes mesmo de traduzir as primeiras linhas. Feliz só pela possibilidade de traduzir, feliz só pela possibilidade de ter chegado até ali, diante do texto cru, em castelhano, esperando minhas transformações.


Daí você imagine: eu já estava feliz antes mesmo de começar o trabalho. Uma vez que comecei, de fato, a traduzir e, portanto, comecei a reler o livro, meu coração ganhou uns contornos de passarinho. Uma mistura de ternura alegre invadiu meu corpo. Eu gostava mesmo da história. Eu gostava mesmo da personagem (ay, Chloé <3). Eu gostava mesmo da minha função em meio a isso tudo.


Eu nunca tinha traduzido um livro inteiro. Não sabia como era me relacionar tão intimamente com um texto alheio (é um pouco loucura). Percebendo os estilos do autor, percebendo as mudanças do estilo do autor. Criando e testando minhas metodologias do traduzir (com conselhos e pitacos da Marina Colasanti dessa entrevista aqui). Percebendo como se dava minha pesquisa através do texto. Percebendo o que eu sabia, o que eu não sabia, indo avante, voltando atrás. Palavras desconhecidas, expressões desconhecidas. Dando risadinhas. Refletindo sobre o uso das palavras, refletindo sobre a escolha das palavras. Refletindo sobre a tradução e sua fidelidade. Ou sua falta de fidelidade.


Não imaginava que iria querer revisar o livro uma, duas, três, quatro vezes. Reler uma última vez depois da revisão de outras pessoas. Não estar completamente satisfeita e ainda assim ter que abrir mão dessa vontadinha de perfeccionismo. Entregar o livro para a diagramação foi um pequeno processo de desapego, que tenho certeza que só não demorou mais porque minha vontade de ver o livro pronto é maior.


Fantasio o livro pronto, sua capa ilustrada (pela Carol! salve salve), sua paleta de cores. Fantasio sua diagramação final. Fantasio suas tipografias. Fantasio seu lançamento. Tudo é um pouco delirante em meu papel de tradutora-produtora. Sei que algo disso é um pouco estranho, porque eu não deveria me sentir tão em posse do livro assim, como se fosse quase meu. Acho que é um efeito da repetição continuada. Quer queira, quer não, nunca passei tantos meses trabalhando num trabalho textual assim. Monotemática.


Mas nem era só sobre essas coisas que eu queria deixar o registro. Quero escrever aqui o quão prazeroso e amoroso foi esse processo. Se alguma vez eu fiz o meu trabalho com amor, posso te dizer que essa foi pra demais da conta. O quanto criei uma espécie de relacionamento de amizade-identificação com a protagonista. Com alguns daqueles diálogos. Como eu definitivamente tenho minhas partes favoritas (a excursão à casa dos amigos de Lala e todas as interações dela com o pai <3 ). Fiquei brincando que não ia mais querer traduzir nenhum outro livro porque acho muito difícil que encontre esse tanto de afeto num vínculo com uma história (mas estou aberta aos desafios, Universo!).


Eu, no meu labor-skin-performance que eu escolhi para ser adulta (senhoras e senhores, lhes apresento a sra. Tradutora) voltei a ter um pouco 12 anos outra vez.


Essa é dessas coisas miúdas das quais ninguém mais saberá. Das manhãs/tardes/noites em frente ao PC numa espécie de tranquilidade e ânimo. Da minha alegria com cada parte do processo (até poder escolher quem seria o revisor e conversar com ele foi um prazer – alô, Lucas Facó!). O livro se aproxima a cada dia de sua publicação. Anseio por seu lançamento, me fantasio como embaixadora-elegante-discreta dessa empreitada argentina-brasileira. Quero celebrar essas páginas físicas que nascerão e irão para as mãos de novas pessoas. Quero tomar esse champanhe (ou cerveja) com minhas amigas e amigos. Celebrar a continuação da literatura por todos os cantos. Quero brindar à possibilidade do escrever, contar histórias, se espalhar.

Gracias, Gonzalo, por escribir este libro. <3





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