"As palavras me são importantes, claro que são. Mas queria explicar-lhes de meus deslumbres com a linguagem das imagens"
Amo as palavras. Amo pensar sobre os princípios básicos da linguagem, as premissas da comunicação.
Em uma conversa, por exemplo:
Fulana cria, com ajuda de sua química cerebral, pensamento e mensagem. Logo, abre a boca, transforma abstração em palavra e as envia, por meio de ondas sonoras, em direção a Cicrana.
As ondas caminham até os ouvidos de Cicrana que aceita essa informação do ambiente e interpreta-a dentro de si. Ali, a mensagem de Fulana se mistura com as químicas cerebrais dos pensamentos de Cicrana que escolhe se envia novas energias/mensagens de volta a Fulana, novamente, através de ondas sonoras, e, assim, prossegue a dança da conversa ou se apenas absorve, silencia, cria outras reações a partir do que recebeu.
Em minha cabeça crio imagens de pessoas conversando em que consigo ver a linguagem, o som, as palavras fluindo entre as pessoas, como se fossem energias cósmicas, flutuando brilhantes.
O próximo passo, para mim, foi compreender a palavra escrita como algo semelhante. Existe a grafia da palavra (essa invenções humanas!) e a mensagem que alguém quis pôr ali, gerado pela mágica-química de sua própria cabeça, numa tentativa de conversar, silenciosamente.
Existem outros poderes e leis da física em jogo. Os olhos que captam as frequências das luzes do que é lido. A imagem virando palavra, mensagem, coisa viva.
Eu acho que algo também volta, de nós até as palavras, embora não saiba definir o quê.
E, de qualquer maneira, acho que é seguro afirmar, existe a comunicação.
Depois de um tempo passei a acreditar e a perceber minha comunicação com coisas que, a priori, não se configuram nos conceitos clássicos de conversas: pedras, plantas, paisagens, o Universo.
Tem conversas com isso tudo.
Tem um diálogo silencioso e especial, se dou a atenção necessária.
Conversar com as pedras há de ser algo possível/praticável se quisermos continuar daqui.
E entre essas comunicações, uma verdade de conversa que existe com o mundo. A partir de meus olhos.
Conversar com as imagens do mundo. Lavar meus olhos para que eu possa olhar em volta e, novamente, estranhar tudo.
Aquela velha história do novo mundo para o qual estamos sempre a nascer.
Saber de todas as ilusões que meus olhos são capazes de produzir. E, por isso mesmo, dar-lhes atenção, atenção ao poder que possuem.
Amar, outra vez, a capacidade de ver. Ver o que meus olhos alcançam (e perguntar-se "até onde?") e que o que os olhos de dentro desenham, esculpem e jamais se deixam render.
Procurar entender qual a comunicação dos olhos. Das estéticas.
Tentar entender porque produzimos novas imagens (desenhos, fotos, esculturas, grafites, danças, performances) e como temos feito isso.
Procurando origens para modos de entender o mundo e traduzi-los. Querendo, sobretudo, respeitar o sagrado de todas as linguagens. De todas as trocas de comunicação. Entre humanos, humanos e ambientes, ambientes entre si.
Como enxergamos o mundo?
Em alemão, Bild significa imagem e Bildung, educação. O que me remete a essa ideia de que nos educamos também a partir do que vemos, encontramos a nossa volta. Como cada cultura treina os olhos é, portanto, uma maneira única de absorver as coisas e educar-se com elas (do mesmo jeito que cada cultura possui suas línguas formadoras de pensamentos e perspectivas).
E acho tudo isso curioso. Tão curioso quanto o funcionamento das línguas. Mas acho infinitamente mais bagunçado em minha cabeça. Justamente porque não se trata apenas de um pensamento corrido em palavras (que procuram e acham seus caminhos) mas de imagens, sensações, por vezes conceitos, conversas.
Tudo isso envolvido em uma névoa de curiosidade que luta – se estrebucha procurando encontrar uma linguagem em mim.
E procuro também deixá-la ser o que é: realidade entrecortada
fragmentada
mixada e misturada
Como também é a realidade fora de mim.
E, por isso, é possível respirar em paz. Saber que temos fios descontínuos, fragmentos, imagens, mensagens.
Conversas secretas entre nós.
"A coragem de querer fazer laços, em meio a tantos nós"
e de pegar emprestados os olhares de outras/outros, consciente de que elas também formam o que sou.
Quero escutar as mensagens dos olhos. E adoraria traduzi-las em palavras. Mas também ém ação, gesto, coisa amorosa.
E acho que existem tantas e tantos comigo aqui.
(escritos de um caderno do primeiro semestre de 2021)
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